Aqui você tem bem comprovada, Zé Fernandes – começou Jacinto, encostado à janela do mirante – a teoria que me governa.
Com estes olhos que recebemos da madre Natureza nós podemos apenas distinguir lá, depois da avenida, naquela loja, uma vidraça iluminada. Se eu porém aos meus olhos juntar os dois vidros simples dum binóculo de corridas percebo, por trás da vidraça, presuntos, queijos, boiões de geléia e caixas de ameixa. Concluo, portanto, que é uma mercearia.
Obtive uma noção, tenho sobre você, que com os olhos desarmados pode ver só o reflexo da vitrine, uma vantagem positiva. Se agora, em vez destes vidros simples, eu usasse os do meu telescópio, de composição mais científica, poderia avistar além, no planeta Marte, os mares, as neves, os canais, o recorte dos golfos, toda a geografia dum astro que circula a milhares de quilômetros daqui. Isto é outra noção, e tremenda!
Atente que aqui tens o olho primitivo, o da Natureza, elevado pela civilização à sua máxima potencia de visão. E desde já, pelo lado do olho, portanto eu, civilizado, sou mais feliz que o incivilizado, porque descubro realidades do Universo que ele não suspeita e de que está privado.
Aplica esta prova a todos os órgãos e compreende o meu princípio. Claro é portanto que nos devemos cercar de civilização nas máximas proporções para gozar nas máximas proporções a vantagem de viver. Agora concordas, Zé Fernandes?
Adaptado de Eça de Queiroz. A cidade e as serras. Leia este livro
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