quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O DESENVOLVIMENTO NO MARANHÃO

O Maranhão é conhecido por uma notória capacidade de se manter entre os dois ou três estados brasileiros com os piores indicadores sociais – geralmente é o pior.

Nem sempre foi assim.

Vamos avaliar a trajetória do Maranhão desde o século XIX com vistas a perceber os processos econômicos que nos levaram a esta condição inglória.

 

Guerras e Glórias – o século da Atenas Brasileira.

De um modo geral no século XIX a sociedade brasileira assiste a uma luta política dura todo o século. Era o processo político em que os brasileiros substituíam a elite portuguesa que dominava o país na ocasião da independência.

No Maranhão este conflito entre brasileiros e portugueses tem o seu momento mais intenso em 1831, quando maranhenses fazem um levante violento contra os portugueses que dominavam a província.

A tensão entre os maranhenses e portugueses se reproduz embora sem a mesma violência. Estes grupos encontram uma ocasião para uma aliança política frente a um perigo maior para ambos. Era a balaiada.

Em 1838, por acontecimentos mais ou menos simples, é deflagrada no maranhão uma verdadeira guerra civil. Vários grupos de pessoas pobres e excluídas na sociedade colonial se levantam contra as autoridades políticas e criam um ambiente de terror no interior do Estado.

A revolta vai até 1841, quando o agora Duque de Caxias foi enviado pelo Imperador Pedro II para pacificar o Maranhão – coisa que ele fez ao custo de muita violência.

A experiência de terror promovida pelos levantes no interior do Maranhão criou em São Luís alguns esforços coletivos que geraram grandes resultados mais tarde – entre os quais a criação de escolas.

Nas décadas seguintes o Maranhão conhece um período de paz e de prosperidade. Especialmente a partir dos anos 60 daquele século. Nesta década o Maranhão torna-se um dos grandes beneficiários da guerra civil americana (leia mais aqui).

Esta guerra destrói a economia americana, a principal fornecedora de algodão para a Inglaterra – que era a principal economia industrial no período em que a indústria têxtil era o principal ramos da indústria.

Com a Guerra os ingleses precisam de novos fornecedores de algodão, e o Maranhão é um deles. Neste período o Maranhão se torna um grande produtor de algodão e fica muito rico com esta cultura.

É neste período que o Maranhão se torna aquilo que nós chamamos de Atenas Brasileira. Neste período da história o Maranhão reunia os grandes intelectuais do país. Especialmente um grupo de cinco grandes pensadores brasileiros era maranhense, vivia em São Luís e dava aulas no Liceu Maranhense. Eram eles o maior poeta brasileiro – Gonçalves Dias (leia mais aqui); o maior matemático brasileiro – Gomes de Sousa (leia mais aqui);  o maior gramático e filólogo brasileiro – Sotero dos Reis (leia mais aqui); o maior especialista em línguas antigas – Odorico Mendes (leia mais aqui); e um dos mais respeitados historiadores e jornalistas brasileiros – João Lisboa (leia mais aqui).

É também durante este período de bonança que a cidade de São Luís ganha o conjunto arquitetônico da Praia Grande.

Neste período a elite maranhense era composta por muitos nobres, que ostentavam o título de Barão e Baronesa (de Itapecuru, de Grajaú, de São Bento, etc.).

Entretanto, o fundamento desta riqueza era temporário, com o fim da guerra civil a economia maranhense começa a apresentar lento declínio na medida em que os principais clientes do Maranhão, os ingleses, estavam mais próximos dos norte-americanos e tinha com eles uma estreita afinidade histórica e cultural que facilita o negócio entre as duas nações. Pior para o Maranhão.

Entretanto, com o quadro de decadência econômica já delineado, a elite maranhense cria, ao final do século XIX, um projeto de futuro alternativo para evitar a decadência econômica. Este projeto ganha densidade ao fim da década de 80.

O projeto consistia de uma tentativa de industrializar a economia do Maranhão através da instalações de industrias têxteis aqui mesmo no Estado para aproveitar a produção local de algodão.

Neste período são instaladas fábricas no interior, em Codó e Caixas e em São Luís. As fábricas em São Luís produziram grandes transformações urbanas.

Mapas dos anos 40 e 50 do século XIX indicam que à época a cidade de São Luís estava contida no espaço entre as ruas de Santana, a Praça Deodoro e a Praça Gonçalves Dias – é importante saber que estes logradouros tinham outros nomes.

As fábricas foram historicamente um dos fatores que aceleraram a urbanização da humanidade. Também produziram uma nova maneira de organizar as cidades. Onde as fábricas se instalavam iam se implantando vilas e bairros operários, pois os sistemas de transporte não permitiam um deslocamento eficiente a longas distâncias.

As fábricas de São Luís levaram a cidade para as redondezas das fábricas, instaladas na Madre Deus (duas fábricas importantes foram para lá, uma onde fica o prédio do atual CEPRAMA, e outra bem próxima a  esta instituição), na atual Rua Cândido Ribeiro (nome do dono da fábrica instalada nesta rua)  e também na Camboa - (na verdade o nome original era Gamboa). Estas fábricas de certa forma criaram os bairros que as circundavam – para os empresários era bom que os trabalhadores estivessem perto, alguns deles faziam vilas para os operários e para estes eram vantajoso estar perto das poucas oportunidades do trabalho.

O projeto de industrialização do Maranhão não prosperou –o economista Celso Furtado chama esta fase da história econômica do Maranhão de “falsa euforia”. Todavia este período é importante pelas mudanças urbanas que provoca mas também porque consegue dotar a sociedade de uma perspectiva alternativa diante dos indícios de decadência da agricultura do Estado.

No que pese o fracasso do sonho industrialista esta fase é importante por organizar um tipo de leitura da história do Maranhão que irá se repetir muito mais tarde, no século XX. Veremos mais tarde que esta visão se apóia num engrandecimento da fase de ouro da economia maranhense, um lamento da experiência de decadência e empobrecimento um sonho, mais um projeto, de uma  alternativa baseado na reorganização da economia em bases industriais.

 

Choro e sonho - da decadência e da pobreza.

As fábricas instaladas a partir do fim do século XIX não foram capazes de criar um sistema industrial dinâmico a ponto de oferecer resistência aos competidores do sul do país ou de alcançar a competitividade que o algodão havia conseguido  nos mercados internacionais. Até meados do século seguinte todas fecharam as portas.

A destruição do projeto fabril representa para o Maranhão uma nova maneira de se perceber, como uma terra atrasada e pobre – coisa bastante diferente da Atenas Brasileiras.

Por todo o século a economia maranhense conhece uma perda de importância relativa na economia brasileira. O beneficiamento da semente do coco babaçu para extração de óleo chega até a oferecer uma possibilidade de formular uma estratégia econômica alternativa. Mas, por conta de dificuldades técnicas para a coleta e quebra do coco em condições de extrair uma semente em condições de produzir um óleo de qualidade, este recurso jamais ganhou densidade para se tornar um efetivo projeto alternativo.

Neste século os maranhenses refazem a imagem predominante de sua história. Antes o fausto, a riqueza e a tradição era os elementos que definiam o Maranhão. Aos poucos, ao longo de todo o século, e até hoje, o Maranhão fica conhecido por ser um Estado pobre e com péssimos indicadores sociais – além de possuir os líderes políticos que representam o que há de mais atrasado na política brasileira.

A proclamação da república encontra um Maranhão bastante conturbado por lutar políticas que dividem a elite do Estado. Golpes e tentativas de golpes são relativamente comuns. Na década de 40 chega ao Maranhão Vitorino Freire, que se torna o grande líder político do Estado, em referência a quem todos os grupos políticos se orientam – seja como partidários, seja como opositores.

Nos anos 60, já depois do golpe militar que implantou o regime de exceção no país em 1964, outro líder político toma o lugar de Vitorino, era José Sarney.

A vitória de Sarney ocorreu em 1965. Ele tomou posse em 1966. Sua posse foi documentada por Glauber Rocha, o nome mais importante da história do cinema brasileiro (saiba mais aqui). O filme de Glauber chama-se Maranhão 66, e ao contrário do que poderia esperar o governador eleito o filme mostra mais que uma festa de posse, mostra um cenário aterrador de pobreza  abandono da população aqui mesmo na capital e não apenas nos confins do interior do Estado.

Veja o filme “Maranhão 66” abaixo.

 

O governo de Sarney ocorre quando o projeto dos militares para o país ainda está sendo arquitetado. Para a região amazônica a grande estratégia consistia num projeto de integração econômica a partir da exploração dos recursos minerais da região de Carajás, no Pará. O projeto ficou conhecido como Grande Carajás - PGC (saiba mais aqui).

O Maranhão e especialmente São Luís foram beneficiados pelo PGC. A implantação da Vale (que na época chamava-se Vale do Rio Doce) e da Alumar, o beneficiamento do porto do Itaqui, a construção da estrada de ferro ligando Parauapebas a capital do Maranhão e a integração energética do Maranhão com a usina de Tucuruí no Pará através da vinda da Eletronorte (em substituição à Chesf, que antes atendia ao Maranhão). A usina de Tucuruí também foi construída para atender ao PGC.

O PGC era para o Maranhão uma repetição da experiência do sonho industrial do fim do século XIX. O novo sonho vai se desenhando especialmente a partir da década de 70. Nos anos 80 a Vale e a Alumar passam a funcionar em São Luís.

Este novo momento é esperado como a grande possibilidade de enfim redimir o Maranhão e superar o quadro delineado no filme de Glauber Rocha.

 

A Lei de Terras

Mas, além da preparação política de integração do Maranhão ao PGC, o governo de José Sarney é importante para a formação do Maranhão e da São Luís que temos hoje em dia em função da (Lei nº 2.979, de 17 de julho de 1969). Esta lei ficou conhecida como Lei Sarney de Terras.

Para entender o que de fato esta lei significou para o Maranhão é importante lembrar que houve uma lei nacional que também ficou conhecida como Lei de Terras.

A lei 601 de 1850 (veja, é do tempo do Império!) estabeleceu o Direito Agrário brasileiro de modo a disciplinar as regras da propriedade de terra. Segundo esta lei só poderia ser dono de terras quem comprovasse que havia comprado a propriedade – o que envolveria a posse de um documento de propriedade.

Se levarmos em conta o modo de colonização do país, veremos que os brasileiros se estabeleceram pelo litoral. Todavia, por vários motivos muitos brasileiros se instalaram pelo interior do país. Fizeram isto seja através dos movimentos de entradas bandeiras e outros que fizeram a exploração econômica do interior do país, seja por fugas – caso clássico das comunidade quilombolas.

Depois de algumas décadas, às vezes, um século, quando a economia e a sociedade brasileira foram se interiorizando, alguns destes grupos foram questionados por outros que tinham documentos das terras, nem todos verdadeiros.

O que interessa para nossa discussão é que a lei de terras do Maranhão repetiu esta história. Esta lei concretizava um plano para modernizar a agricultura do Estado e vendia terras para grupos empresariais a preços muito atraentes. Os empresários agrícolas teriam acesso a financiamento de projetos via Sudene e Banco do Nordeste. A idéia era implantar um padrão moderno de manejo agrícola e pecuário.

Nos anos 70 muitos grupos de camponeses e de quilombolas pelo interior do Maranhão, de uma hora para outra foram informados que não eram donos da terra onde seus ancestrais sempre viveram e que tinham que sair dali.

Este encontro de moradores e empresário rurais aconteceu mediado por pistoleiros e teve a forma de conflitos fundiários (briga por terra). O resultado foi um vigoroso processo de expulsão de moradores de suas terras.

 

A nova industrialização ou os novos problemas?

Esses moradores que foram expulso do interior do Maranhão procuravam os centros urbanos. Todas as cidades do Maranhão começaram a crescer a partir dos anos 70, mas a capital teve um crescimento especialmente acentuado, e isto tinham muito a ver com os projetos industriais do Programa Grande Carajás – PGC.

Na capital o PGC resultou na implantação de duas grandes plantas industriais, a Vale e a Alumar, e na implantação do porto do Itaqui, na vinda da Eletronorte que melhorou e muito a qualidade do fornecimento de energia elétrica, além da estrada de ferro ligando o porto às minas no Pará.

A implantação de todos estes projetos resultou na criação de um grande volume de oportunidades de trabalho. Estas oportunidades estavam disponíveis a muitos trabalhadores de baixa qualificação – pedreiros, mestres de obra, etc.

Estes eventos e a instauração de uma expulsão das populações camponesas no campo resultaram no aumento espetacular da população da cidade a partir dos ano 70, conforme podemos ver no gráfico abaixo.

image

É importante lembrar que este momento do Maranhão nos anos 70 é extremamente semelhante ao do fim do século XIX.

A implantação dos projetos do PGC de fato alterou a estrutura da economia maranhense.

Todavia estamos em 2010 e o impacto econômico do PGC sobre o Maranhão não pode ser confundido com Desenvolvimento (lembre-se do nosso conceito). Tivemos crescimento econômico, ou, na linguagem do século XIX, progresso.

Isto acontece porque as duas estratégias de desenvolvimento implantadas se mostram frustradas.

De um lado a modernização econômica não cria raízes no interior. O projeto agrícola fale sistematicamente e só nos anos 90 ressurge através da expansão do complexo da soja implantado principalmente por agricultores gaúchos e paranaenses, que também tem seus problemas pois repete o processo de expulsão de camponeses.

De outro lado a industrialização cria um pico de oportunidades que não é capaz de manter após a fase de implantação – quando é maior a demanda de trabalhadores.

Todavia a população que se mudou para as cidades não pode simplesmente voltar para o interior ou para a agricultura. E tem que se virar nas cidades. O problema é que estas pessoas não possuem as devidas qualificações para a competição em um mercado de trabalho moderno urbano-industrial.

São estas pessoas que fizeram a expansão das cidades através de bairros improvisados e sem infra-estrutura, ou seja, aquilo que nós chamamos de periferia urbana.

7 comentários:

  1. Olá, queria utilizar algumas informações aqui expostas, e queria que informasse as fontes as quais os comentários foram baseados(por exemplo gráficos e disposições históricas e sociais).
    Grato pela atenção.

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    1. ola

      o textoé de minha autoria, portanto a fonte é este blog.
      as referencias primárias (não estão aqui porque este é um texto para alunos do ensino médio) são o livro do dunshee de abranches "o cativeiro", o livro "a nova aurora" de astolfo marques, a tese de doutorado do falecido profe caldeira sobre a industrialização no maranhão.
      As informações sobre o sec 20 são bastante conhecidas e o gráfico eu montei a partir dos censos demográficos.

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    2. Muito obrigado, essa informações serão suficientes as minhas anotações.

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    3. Uma sugestão, não faça postagens anônimas, é um tanto desagradável

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  2. Caro Emanuel, grato pelo texto. Se for possível, gostaria que me indicasse referências sobre a presença dos ingleses em São Luís, no século XIX e início do século XX.
    Um fraterno abraço, Paulo da Trindade.

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  3. Este texto é maravilhoso... Diz muito em relação à história do Maranhão.

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Olá,
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Peço apenas que evite o plágio.
Este espaço só terá sentido se o seu texto expimir o seu pensamento.
No mais: Desus é bom, e isto basta!

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